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Qual o significado da Semana Brasileira de Enfermagem?

Publicada em 22 de maio de 2018

Por: Jorge Henrique, diretor do SindEnfermeiro-DF

 A origem da semana 

É um consenso na historiografia que o ano de 1922 é o marco inicial da Enfermagem Moderna Brasileira. As condições sanitárias do Brasil no início do Século XX eram muito precárias, as epidemias e as endemias ameaçavam a população, bem como a economia brasileira, movida pelo setor agrário-exportador cafeeiro, e que dependia do saneamento dos portos para realizar o comércio.

Foi nesse contexto que a reforma Sanitária de Carlos Chagas, no ano de 1920, contribuiu para a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Um convênio estabelecido entre o DNSP e a Fundação Rockfeller dos EUA, logo após esse ano, determinou a vinda para o Brasil de uma Missão Técnica de Cooperação para o Desenvolvimento da Enfermagem.

O resultado dessa cooperação foi a construção da primeira escola de enfermagem moderna do Brasil, a Escola de Enfermeiras do DNSP, atualmente, Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), concebida nos moldes da enfermagem anglo-americana, baseada no modelo de Florence Nightingale e experimentada nos Estados Unidos da América.

A implantação do modelo nightingaleano de enfermagem teve como finalidade garantir a orientação seguida pela Missão Técnica e ainda buscar a figura de uma mulher brasileira como patrona da Escola. Foi escolhido, então, o nome de Anna Nery, que por ter sido heroína de guerra, teve sua imagem mitificada.

Foi nesse período que surgiu a Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED) – em 1926 -, que futuramente seria chamada deAssociação Brasileira de Enfermagem (ABEN) – em1954 -,e a Escola Padrão Ana Nery – em 1931.

O intercâmbio de alunas da EEAN para os EUA, nos anos 1920 e 1930, criou as condições para a manutenção e perpetuação do modelo de ensino e profissional formado pela Escola Padrão. E é nesse período, que Laís Neto dos Reys vai para os EUA vivenciar um processo de capacitação profissional.

Quando volta para o Brasil, exercendo o cargo de diretora da EEAN, em 1940, com o apoio da Universidade do Brasil (UFRJ) e do Ministério da Educação e Saúde (MES), celebra a primeira Semana da Enfermeira, marco inicial da atual Semana Brasileira da Enfermagem (SBEn), que se encontra na sua 79° edição.

O Decreto n. 48.202, de 1960, do presidente Juscelino Kubitschek, institui a Semana Brasileira de Enfermagem, estabelecendo o período de 12 a 20 de maio, datas que rememorizam, respectivamente, o nascimento de Florense Nightingale e o falecimento de Anna Nery. Ainda segundo o decreto, durante a Semana, deveria ser dada ampla divulgação das atividades da Enfermagem à população.

A centralidade da Enfermagem nas dimensões do cuidar 

Desde sua origem, a Semana é utilizada para realizar jornadas científicas e palestras em faculdades e estabelecimentos de saúde, para discutir as novas práticas desenvolvidas através de estudos científicos, e para discutir com a população a importância da Enfermagem para a sociedade.

A 79° SBEn, a ser realizada esse ano em todo o Brasil, tem como tema central “A centralidade da Enfermagem nas dimensões do cuidar”. É importante interpretar como esse tema se insere no conjunto das atuais práticas de saúde, ou seja, compreender como a Enfermagem se desenvolve no atual contexto político e econômico, e como ela reproduz as relações de poder na sociedade.

Desde o surgimento da Enfermagem moderna, no início do século XX, se estabeleceu, no interior das práticas de Saúde, a disputa entre modelos:a medicina científica ou flexneriana, baseada nos ideais positivistas da época, a qual influenciaria, sobremaneira, o processo de trabalho em saúde até os dias de hoje, a medicina empírica, e a preventiva, desenvolvida no contexto da economia agro exportadora cafeeira e, mais recentemente, do SUS.

No final dos anos 1940 e início dos anos 1950, essa disputa acontece no bojo do crescimento das clínicas especializadas,movido pelo desenvolvimento técnico-científico da época. Esse fato marca uma mudança nos paradigmasdas práticas de Saúde.

A legislação do ensino de Enfermagem, hora atrelada ao modelo preventivo, atrela-se à nova ordem econômicacriada pelas novas necessidades e exigências das novas práticas dos trabalhadores da área das clínicas especializadas.

A área preventiva, antes enfatizada, cede lugar a um modelo curativo que concentra os profissionais nas clínicas e hospitais. O currículo de Enfermagem se estabelece com base à atuação dos profissionais nessas clínicas, fazendo com que a Enfermagem se torne dependente da profissão médica ao reduzir sua atuação às intervenções e prescrições dessa categoria.

Aos poucos, o modelo preventivo foi sendo esmagado, ao ponto de a saúde pública ser descartada dos currículos como disciplina obrigatória com a aprovação do parecer 271 de 1962, do Conselho Federal de Educação, e, dez anos depois, do Parecer n° 163 de 1972 do COFEN e da Resolução n° 4 de 1972, que reafirmam essa orientação.

A produção científica, os Congressos, e os projetos políticos da categoria passam a ser orientados pela compreensão teórico-prática sustentada em um olhar para o indivíduo, sob a ótica da doença, eque interpretaa fisiopatologia como o próprio agravo, e não como expressão, desvinculando-o de uma relação dinâmica com as relações sociais.

Parece um dissenso que a visão preventiva da Saúde Pública não seja considerada, em um país cujos índices de morbimortalidade são muito elevados, onde há presença de doençasinfecto-contagiosas, de doenças causadas por restrições nutritivas, de doenças parasitárias, onde há mortes por causas externas, violência, entre outros problemas.

É verdade que as lutas pela redemocratização do País, nos anos 1970 e 1980, conformaram um arcabouço jurídico normativo, com a criação do SUS, mas também é verdade que ao longo dos anos, o SUS vem desmontado, vivendo na UTI com poucos recursos orçamentários.

Trazer essa discussão para a realidade do SUS após 30 anos de sua existência é de fundamental importância, principalmente quando se discute a centralidade da Enfermagem nas dimensões do cuidar, pois, se é fato que a profissão seja uma das mais desvalorizadas da área da saúde, também é fato que é a profissão que tem maior potencial de transformação.

O tema da 79° SBEn traz consigo, nas entrelinhas, os elementos necessários para que a Enfermagem reivindique toda sua importância na sociedade. A enfermagem é a maior força de trabalho no campo da Saúde, é a coluna vertebral dos serviços médico-hospitalares e das unidades básicas de saúde, contribui para a construção de políticas públicas e para o aprimoramento e fortalecimento do Sistema Único de Saúde.

Com a promoção dos seminários nacionais, regionais, das oficinas de trabalho, dos fóruns de discussão, durante a SBEN, a ABEN e as demais entidades de classe da Enfermagem envidam todos os esforços para mobilizar docentes, discentes, profissionais dos serviços, com o objetivo de consolidar a construção de um projeto da categoria para a população.

A realidade, porém, é mais complexa. O avanço tecnológico, a busca pela excelência na qualidade assistencial, aliados ao incremento da produtividade, tem aumentado o perfil de morbi-mortalidade dos profissionais.A taxa de acidentes de trabalho é 34% maior na área da saúde, segundo estudo apresentado pela União Europeia.

Dados do Ministério Público do Trabalho apresentados no início do ano mostram que o Brasil é o 4° País no ranking de acidentes de trabalho, sendo que a Enfermagem é a segunda categoria que mais sofre comesse tipo de acidentes.

Essa realidade tem acarretado em restrições físicas e psíquicas, que se caracterizam em processos crônicos de dor e perda de força muscular, ansiedade, depressão, e tem impactado, negativamente, nos processos de trabalho e na qualidade da assistência ao paciente.

A Enfermagem como prática social 

A Enfermagem é uma prática social, portanto, não é neutra. Tem como dever adefesa de um projeto de saúde pautado na problematização da realidade, que possibilite uma maior interlocução entre as áreas temáticas do conhecimento e as necessidades da população.

Mas para que a Enfermagem reivindique sua centralidade no cuidar, é necessário que as entidades de classe juntamente com profissionais e estudantes, estabeleçam estratégias de construção de um projeto político-pedagógico em três esferas: na pesquisa científica, na formação e na valorização dos profissionais.

A pesquisa fomenta a autonomia da profissão ao proporcionar que o saber científico produzido seja utilizado para desenvolver ações independentes, opostas à submissão a outras profissões, sobretudo a médica. Também desenvolve ações horizontais,multidisciplinares, integrais e não fragmentadas.

A formação profissional para buscar o aprimoramento do conhecimento técnico-científico e imprimir uma nova compreensão do processo saúde-doença,que considere as necessidades da população e que fortaleça o SUS.

E luta pela valorização da Enfermagem como forma de se fazer justiça social, contra a super exploração da força de trabalho, contra o assédio moral e sexual dentro dos estabelecimentos de Saúde, pelo piso salarial digno da categoria e por melhores condições de trabalho para assegurar a qualidade assistencial ao conjunto da população brasileira.