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[ Opinião ] O GDF, o TPD e o caos na Saúde

Publicada em 24 de abril de 2018

Por: Jorge Henrique (diretor do SindEnfermeiro-DF)

A ignorância força-nos a fazer duas vezes o mesmo caminho. (Sabedoria popular portuguesa)

No dia 4 de Abril, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), publicou Circular (SEI-GDF n° 8/2018 – SES/ SUGEP – 6055876), informando que o Tribunal de Contas do DF (TCDF), por meio da Decisão (n° 3926/2017), determinou a obrigatoriedade do intervalo mínimo de 11 horas de descanso entre as jornadas de trabalho. Ficava proibida, portanto, a realização de 18 horas consecutivas e a realização de mais do que duas horas extras por dia. A decisão entraria em vigor no dia 1° de Junho.

Para a SES, a decisão do TCDF resultaria em pedidos de exoneração feitos pelos próprios servidores, diminuição da oferta de serviços e, até mesmo, o fechamento de unidades de saúde, como os prontos-socorros,o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), as Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs), as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e outras unidades.

Outra instituição que estava sob ameaça de encerrar suas atividades, a Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), depende, exclusivamente, dos docentes servidores cedidos pela Secretaria de Saúde. Mas com a decisão, a SES já havia comunicado à instituição que solicitaria de volta os servidores para que pudessem completar as escalas das unidades assistenciais.

Alvo de críticas por parte da SES e dos servidores, o TCDF argumentou que deveria existir proporcionalidade e razoabilidade na relação entre as horas trabalhadas e os intervalos mencionados, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da eficiência e da motivação, dos direitos dos servidores e dos cidadãos atendidos nos serviços.

TCDF chegou a proibir as 18h

Como saída para o impasse, o Governo do Distrito Federal (GDF) apresentou, na última quarta (18), o Projeto de Lei 1992/2008, do Executivo, que regulamenta a realização de jornadas de até 18 horas consecutivas, desde que garantido descanso mínimo de 6 horas entre um período e outro.

De lambuja, o Governo inseriu no projeto uma nova modalidade de remuneração do trabalho, denominada remuneração por Trabalho em Período Definido (TPD), com o objetivo de substituir as horas extras. O projeto gerou muita polêmica e levantou desconfiança por parte do movimento sindical.

Na última quinta (19), ou seja, em tempo recorde, o projeto foi aprovado pela Câmara Legislativa, tornando-se a Lei n° 6137/2018. Era o desejo de muitos – da secretaria e dos servidores: a realização das 18h consecutivas com o intervalo de 6 horas entre uma jornada de trabalho e outra. Porém, o desejo nos cega. Nem sempre ele pode ser usado como critério de justiça, pois muitas vezes ele traz consigo armadilhas perigosas.

Por isso, em qualquer circunstância, seja ela favorável ou desfavorável, a juventude, os trabalhadores e o movimento sindical precisam, antes de se lançarem em uma luta, analisarem a realidade utilizando alguns critérios: a situação econômica, o interesse das organizações dos trabalhadores e do Governo, e a correlação de forças entre os trabalhadores e o próprio Governo.

O caos na Saúde

A decisão do TCDF, antes de mais nada, desnudou a situação caótica dos serviços de Saúde do DF. Mesmo com a possibilidade de realização da jornada de 18 horas e horas extras, as unidades nunca funcionaram bem, diga-se de passagem. A falta de recursos humanos, materiais e insumos é alarmante.

Segundo relatório baseado em dados do sistema de recursos humanos da própria Secretaria de Saúde e entregue pela Frente Única da Enfermagem (FUEnf) ao Ministério Público do DF (MPDFT), em fevereiro, o déficit na rede pública de saúde chegava  a 800 enfermeiros.

A verdade é que Rollemberg, até o momento, não realizou nenhum concurso para enfermeiros e técnicos de enfermagem e não nomeou nem a metade dos aprovados em concursos e convocados pelo Governo anterior. Sob a égide da Lei de Responsabilidade Fiscal, que protege o erário, o governador não investiu em novas nomeações, apostando na redução dos gastos públicos para não investir em áreas sociais.

Acontece que o respeito a LRF impulsiona uma lógica inversa de manutenção dos serviços públicos, causando a abertura do processo de terceirização dos serviços. Pois – existindo um limite em relação à despesa de pessoal-, é mais econômico adiquirir mão de obra através de contratos temporários.

Não é à toa que Rollemberg investiu pesado na terceirização dos serviços de saúde. Inicialmente, falhou na tentativa de implementar as Organizações Sociais (OS’s) na atenção básica. Depois, conseguiu uma importante vitória sobre os trabalhadores na criação do IHBDF. Agora, quer expandir o modelo do instituto para o HMIB e outros hospitais.

Além disso, o Governo foi incansável nas tentativas de retirar direito dos servidores. Revisou os critérios para o recebimento da Gratificação de Titulação, modificou o regime previdenciário dos funcionários públicos do DF e não pagou a terceira parcela do reajuste dos servidores (conquistado em 2013).

Enquanto reduz os gastos sociais, Rollemberg mantém a alta taxa de ocupação de leitos de UTI da rede privada e transfere vultuosas verbas para clínicas e hospitais privados que realizam procedimentos de alta complexidade para pacientes do SUS. Só a dívida contraída pelo governo com os fornecedores da rede privada chegou a R$ 200 milhões, segunda dados do Sindicato Brasiliense de Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas.

Um estudo da própria secretaria de saúde, apresentado em reunião do Conselho de saúde do DF, mostra que se o GDF investisse em estrutura própria para realização de cuidados em Hemodiálise, economizaria de 30 a 40% com os gastos que tem, atualmente, na rede privada. Portanto, é importante sabermos que Rollemberg governa para os empresários da Saúde e que, em ano de eleição, irá jogar com todas as cartas para receber apoio deste setor.

Quem não sabe contra quem luta não pode vencer. E como dito, anteriormente, é importante estabelecermos um marco político na caracterização do atual governo, para que possamos interpretar sua movimentação e seus interesses na implementação de determinados projetos.

TPD

Feitas todas essas caracterizações sobre o governo, chegou a hora de fazer uma análise mais sucinta da nova modalidade de remuneração do trabalho criada pela Lei n° 6137/2018, a remuneração por Trabalho em Período Definido (TPD).

Inicialmente, é importante destacar que a lei cria, em especial, a nova modalidade de remuneração, ou seja, fica claro com o texto que as outras medidas para garantir a assistência à saúde, dentre elas a jornada de 18 horas e as 6 horas de descanso, são secundárias em relação aos critérios de remuneração do TPD.

Mas ora, não eram as 18 horas o grande impasse gerado pela decisão do TCDF? Por que não se criou uma lei para a liberação da jornada e também para o pagamento de horas extras conforme a Lei 840/2011?

A escassez de medidas por parte da SES quando da decisão do TCDF, a exclusão do movimento sindical na construção do projeto, a apresentação e a aprovação em tempo recorde do PL do TPD, traz à tona alguns questionamentos sobre a natureza do modelo de remuneração e sobre os reais interesses da secretaria em aprovar tal proposta.

Em que pese a péssima relação do Governo com os sindicatos, é bom que fique claro que, após pactuação com a SES, todos os sindicatos da saúde interessados na manutenção da assistência à saúde, pediram a suspensão da decisão do TCDF por meio dos embargos de declaração. O que os sindicatos não esperavam era essa manobra aos 45 minutos do segundo tempo.

O governo aproveitou o apelo dos servidores e a fragilidade da relação de muitos deles com a SES, gerada pelas novas regras coletivas de trabalho, que não permitiam mais a jornada de 18 horas, para aprovar o TPD. O secretário também barganhou com os alunos e professores da ESCS, comunicando que os mesmos ficariam sem aula caso fosse necessário solicitar o retorno dos professores para suas lotações de origem.

O posicionamento dos estudantes, mesmo com o polêmico projeto que burla legislação trabalhista, não deslegitima a luta pela manutenção do funcionamento da ESCS. A luta foi justa e não pode ser confundida com o oportunismo da secretaria de saúde, que se utilizou da reivindicação dos estudantes para ganhar audiência e apresentar um projeto que é uma grande armadilha para os trabalhadores.

Estudantes da ESCS mobilizaram-se durante a votação do projeto, na Câmara

O fato é que o TPD é uma cilada. É outro projeto empurrado, novamente, goela abaixo dos servidores, sem discussão e usado como moeda de troca em relação à liberação das 18 horas. É uma armadilha, pois surgiu como carro chefe nas entrelinhas da reivindicação da jornada e da manutenção dos serviços. Não será o TPD que irá resolver o problema de recursos humanos da secretaria.

A remuneração é com base no vencimento básico do último padrão e é fixo para qualquer servidor do mesmo cargo. Em termos práticos, o TPD equivale a um valor menor do que o valor pago a um servidor que realiza horas extras e que está em início de carreira.

A Constituição Federal em seu artigo 7° e a Lei 840/ 2011, em seu artigo 84°, garantem que a hora extra paga a qualquer trabalhador deve ter um adicional de, no mínimo, 50% do valor da hora normal trabalhada, calculada com base na remuneração.

A SES, no entanto, argumenta que a remuneração por TPD é um benefício para os servidores já que o limite de horas extras foi reduzido para duas horas por dia e que, por decisão do TCDF, essa modalidade de pagamento não seria mais utilizada para complementar as escalas de serviço.

Aqui se estabelece uma contradição, pois o projeto autoriza a realização de uma jornada maior do que 12 horas diárias mas, ao mesmo tempo, não cria nenhum dispositivo que autorize a realização de horas extras remuneradas de acordo com a Constituição Federal e legislação trabalhista vigente. Ou seja, o que convém para o Governo é permitido, o que não convém está proibido por decisão do TCDF.

Fica explícito, assim, a intenção do Governo de burlar legislação trabalhista para economizar ao pagamento de horas extras contratuais. Traz consigo, também, a faceta perversa das novas relações trabalhistas, já que para complementar as escalas de serviço, irá pagar menos do que é de direito do servidor. E nesse caso, não podemos culpar o servidor que, por questões objetivas, se solidariza – por querer ver o serviço funcionando e atendendo a população – oferecendo-se a complementar a escala. Também é complicado julgar o trabalhador que, por questões subjetivas, relacionadas a aspectos financeiros, também irá aderir ao novo modelo de remuneração.

A política do movimento sindical para o TPD não deve ser centrada no convencimento das categorias da não realização das horas extras na nova modalidade, mas na derrubada da lei, já que impõe alterações ao direito coletivo dos servidores públicos e contribui para a ampliação de formas de trabalho regidos pela lógica da flexibilização.

Jorge Henrique (diretor do SindEnfermeiro-DF)

Pela Lei n° 6137/2018, ao contrário do que acontecia com as horas extras normais, o TPD pode ser aplicado para servidor efetivo ocupante de cargo em comissão ou função de confiança, ao servidor efetivo da fundação hemocentro, de Brasília, ao servidor cedido ou à disposição de outro órgão e aos contratos temporários. É a festa do tomate.

As consequências negativas vão muito além da precarização da mão-de-obra. Acontece que, pelo fato da hora do TPD ser uma via mais econômica do que as hora extras, teremos a substituição gradual das horas contratuais pelos trabalhos por períodos determinados. Aí reside mais um grande problema desse projeto.

Ele pode significar menos concursos públicos e menos concessões de 40 horas – tudo às custas da precarização da mão de obra do servidor. Não será novidade se, em breve, a secretaria tiver o aval dos órgãos de fiscalização para contratar trabalhadores temporários.

O valor normal da hora extra, estabelecida em legislação trabalhista (CF 88, CLT, LEI n° 840/2011), é uma forma de fazer com que as políticas de Estado prevaleçam como direitos diante das políticas temporárias de favorecimento de eventuais governos.

A realização de horas extras não deve se tornar habitual, por isso, qualquer tentativa de alterar legislação para remunerar, de forma inadequada o servidor, deve ser taxada como precarização.

A tendência com essas medidas do governo como o TPD é que deixe de existir concursos públicos para os trabalhadores. O que significa o fim da estabilidade no emprego, a existência de salários diferenciados, a fragmentação da força de trabalho, a desarticulação das lutas sindicais, além da permissão do empreguismo e do favorecimento político.

A realização de concursos é uma forma de manter o quadro de servidores compatível com a necessidade de manutenção dos serviços. A estabilidade do servidor e o concurso como única via de acesso aos cargos públicos foram inscritos na Constituição Federal de 1988 como garantias contra o clientelismo, o fisiologismo e a precarização dos serviços.

Por isso, é necessário que os servidores lutem por mais concursos públicos, pelo pagamento da terceira parcela do reajuste para combater a precarização do trabalho e a terceirização dos serviços públicos de saúde.