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O que representa um presidente do IGES à frente da Secretaria de Saúde do DF?

Publicada em 28 de fevereiro de 2025

por Jorge Henrique, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do DF

 

 

Na semana passada (20/02), a médica de carreira da Secretaria de Saúde (SES), Lucilene Florêncio, pediu demissão do cargo de secretária, após dois anos e meio à frente da pasta. A demissão ocorreu duas semanas após publicação do decreto que criou o comitê gestor da saúde. No lugar de Lucilene, foi nomeado o então presidente do Instituto de Gestão Estratégica em Saúde (IGESDF), Juracy Cavalcante.

Não é difícil imaginar que a troca tem como pano de fundo a publicação do decreto de Ibaneis Rocha (nº 46.833), que criou o comitê para gerir a saúde pública do DF. A ex-secretária foi exposta a uma série de constrangimentos para forçar seu pedido de demissão. O chefe do executivo praticamente tirou os poderes de gestão da SES e passou para o comitê, que inicialmente estava sob comando da secretaria de economia e dos serviços sociais autônomos, mais conhecidos como prestadores de serviços terceirizados.

Após forte pressão dos sindicatos, conselhos profissionais, do conselho de saúde do DF, de deputados, e da sociedade civil, Ibaneis Rocha revogou o decreto, publicando um novo em seguida (nº 46.855), que criou o Comitê de Planejamento da Saúde do DF, agora vinculado à SES. Apesar de passar o comando para a Saúde, o que se sabe, nos bastidores, é que tudo foi planejado à revelia da ex-secretária, inclusive a indicação dos 13 membros que irão compor a secretaria executiva do comitê.

Após a saída de Lucilene, as informações que chegam confirmam que a minuta de criação do comitê gestor da saúde (e do comitê de planejamento) foi feita por membros do IGESDF. Para piorar a situação, além de nenhum dos 12 nomes (do total de 13) para compor a secretaria executiva do comitê ter sido indicado pela ex-secretária, todos são ligados à rede privada, sem vínculo algum com a SES.

Portanto, o decreto segue ferindo dispositivos constitucionais, como o art. 9º da Lei Orgânica do SUS (Lei nº 8080/ 90), que afirma que a direção do SUS é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida no âmbito dos Estados e DF pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.

O decreto também fere a Lei 8142/ 90, que dispõe sobra a participação da comunidade na gestão do SUS, pois o Conselho de Saúde do DF, responsável por formular estratégias e atuar no controle da execução da política de saúde, sequer foi consultado sobre a criação de um Comitê para enfrentar uma das mais importantes crise pela qual a saúde pública do DF passa.

Mas o mais flagrante e escandaloso é a nomeação do presidente do IGESDF, um prestador de serviço, para assumir a SES. Quando isso foi feito pela primeira vez, em 2020, no auge da pandemia, com a nomeação de Francisco Araújo, o mesmo foi preso pela acusação de fraude em licitação e superfaturamento quando era presidente do instituto. E não faz muito tempo que ex-diretores do IGES foram alvo de uma operação da polícia civil (Escudero), oriunda de uma denúncia do Ministério Público de esquema de propina para favorecimento de empresas, superfaturamento e lavagem de dinheiro.

Mas antes de qualquer acusação leviana sobre o novo secretário (ou discurso ad hominem), é preciso apontar, sobretudo, qual será seu papel frente à secretaria e o que sua nomeação representa.

Segundo informações do site Metrópoles veiculada no dia 20/02, o secretário de saúde é sócio de cinco empresas: JJA Holding, Clio LTDA, G5 Holding, ERJ Holding e Participações e EmbassyHealthcare Serviços Médicos. É categórico, portanto, que há um movimento do próprio governo para que o lobby privado avance sobre a saúde pública do DF.

O cargo de secretário de saúde é de livre provimento, portanto, cabe ao governador decidir quem ele coloca no comando, mas é imoral que um prestador assuma as funções de planejar, ordenar, fiscalizar e controlar as ações do próprio serviço que gerenciava. É importante ressaltar que o governo já destina mais de R$ 1 bilhão ao IGESDF anualmente (instituído em Lei Orçamentária Anual). É a maior transferência de verba pública para um serviço terceirizado da saúde no Brasil.

A nomeação de um presidente do IGESDF pari passu à criação do comitê da saúde visa criar as condições para a entrega dos serviços da SES para prestadores de serviços terceirizados.  Sabe-se que a SES possui instrumentos de planejamento das ações de saúde pública, construídos pela equipe técnica de servidores da pasta, tais como o Plano Distrital de Saúde, o Plano anual de Saúde, o Plano Plurianual, dentre outros.

O novo secretário, como membro do conselho comitê, vai cumprir o papel de desburocratizar e não apresentar resistência para que as decisões de terceirização se sobreponham ao planejamento técnico da saúde, já que o comitê de planejamento passa a ter uma composição com 3 membros da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, 1 membro da Secretaria de Estado de Economia do Distrito Federal, 1 membro da Casa Civil do Distrito Federal e 1 membro do Conselho de Saúde do Distrito Federal.

Mediante ao que foi aqui exposto, fica nítido que a criação do comitê foi uma manobra administrativa para servir de instrumento único e exclusivo de legitimação da entrega do patrimônio e orçamento públicos da saúde para os serviços sociais autônomos. São R$ 14,4 bilhões de orçamento disponível para a saúde do DF em 2025, o que significa que o governo terá aproximadamente R$ 3 bilhões a mais no orçamento em relação ao ano de 2024.

Toda essa trama revela a intensão do governo de se apropriar desse orçamento. 2025 é um ano pré-eleitoral e a corrida para fazer a linha sucessória ao buriti envolve ampliar o arco de aliança político com setores que dependem do repasse de verba pública como forma de acumulação de patrimônio. Não é nenhuma novidade que muitas das empresas e prestadores de serviços tem relação íntima com o governo e deputados de sua base na CLDF.

Quem se lembra da tentativa do Governo de encaminhar um Projeto de Lei para a Câmara Legislativa em caráter de urgência para entregar a gestão do Instituto de Cardiologia e Transplante (ICTDF) para o IGESDF sem a realização de chamamento público? À época, um dos membros da junta interventora do Instituto era um ex-diretor do IGESDF com relações estreitas com seguradoras e empresas da saúde, fato amplamente denunciado por deputados, sindicatos, conselho de saúde e pela mídia.

Na ocasião, Ibaneis enfrentou uma forte resistência na CLDF devido aos conflitos de interesses em relação à entrega da gestão do ICTDF ao IGES, os quais foram publicizados amplamente. A exposição do governo fez que o PL fosse retirado para que não ampliasse seu desgaste político. O governo sabe que precisa reduzir a resistência para seguir seus planos de ampliar a terceirização, pois a saúde é a área onde ele tem a pior avaliação entre a população.

A saúde pública do DF não pode ser um balcão de negócios. O que a saúde precisa é de mais investimentos para superar a atual crise. Só assim é possível frear o processo de terceirização da saúde, nomear mais servidores, melhorar sua infraestrutura, construir novas unidades, acabar com a fragmentação da rede assistencial, organizar o sistema de referência e contrarreferência, e controlar a eficiência da gestão com estratégias perenes para solucionar os problemas de saúde da população.

As entidades sindicais, movimentos sociais, as instituições científicas e acadêmicas, o controle social, parlamentares, os trabalhadores do SUS e a população devem repudiar essa manobra política do governador Ibaneis e exigir a revogação imediata do decreto que cria o comitê de planejamento da saúde. A sociedade deve se mobilizar contra esse ataque ao SUS. Os serviços terceirizados não podem dominar a saúde pública do DF.

 

FORA IGESDF DA SES!

O IGESDF NÃO MANDA NO SUS!