Por Jorge Henrique, presidente do SindEnfermeiro-DF
Incubadora com defeito junto a outros equipamentos sem manutenção em sala do Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB). Foto: Pedro Vinícius/ASCOM SindEnfermeiro
Desde 2016, o debate público acerca de investimentos na Saúde, tanto na esfera federal como nos estados, vem sendo impregnado pelo fiscalismo retórico e pelo contracionismo orçamentário. A Emenda Constitucional 95 – mais conhecida como teto de gastos – inaugurou um novo regime de austeridade no campo das políticas públicas de Saúde, impondo perdas anuais na ordem de R$ 20 bilhões ao Sistema Único de Saúde (SUS). Isto representou, na prática, em seus poucos anos de vigência, a deterioração da infraestrutura de saúde do País, a redução drástica da força de trabalho, e a piora de indicadores como o aumento da mortalidade materna e infantil.
No Distrito Federal (DF), não foi diferente. Desde o início do seu governo, Ibaneis Rocha vem sistematicamente estrangulando a saúde, reduzindo o investimento em ações e serviços públicos. Quem acompanha os telejornais ou procura uma unidade para atendimento sabe que a saúde pública do DF está em colapso: são mais de 800 mil pessoas na fila de espera para realização de exames e consultas (dados do Mapa Social da Saúde); mais de 320 mortes por dengue só em 2024; falta de atendimento pediátrico na rede; SAMU com ambulâncias paradas sem médicos e condutores; rede de atenção psicossocial deficitária; além de muitos outros problemas.
Dados do Portal da Transparência revelam que apesar de o DF ter apresentado um aumento de mais de 100% no repasse do Fundo Constitucional (FCDF) nos últimos 10 anos (em 2023, o Fundo atingiu R$ 23 bilhões, ante os R$ 10 bilhões de 2013), o orçamento do próprio Tesouro do DF utilizado para investimento na saúde pública em 2023 foi o mesmo de 2013 (R$ 3 bilhões), o que na prática representa um desinvestimento do governo na área.
Em 2013, o percentual investido do FCDF (R$ 3 bilhões)representava 50% do orçamento total da saúde (R$ 6 bilhões). Ou seja, os outros 50% eram financiados pelo próprio Governo do DF (GDF). Em 2023, o valor repassado do FCDF para a saúde foi de R$ 7 bilhões (um aumento de mais de 100% em 10 anos), entretanto, o investimento do GDF na saúde pública teve queda de R$ 1,3 bilhão do ano de 2022 para 2023, atingindo as cifras de R$ 3,1 bilhões, valor mínimo exigido por lei.
Esta quantia de investimento do próprio Tesouro do DF só representou 30% do orçamento total da saúde em 2023. Portanto, se Ibaneis tivesse investido o mesmo percentual do FCDF de 2013 (50%), a saúde pública teria mais R$ 4 bilhões disponíveis para investimento. É importante frisar que o orçamento total do GDF para o ano de 2013 foi de R$ 31 bilhões, enquanto em 2023 atingiu R$ 60 bi, o dobro de dez anos atrás.
Para piorar a situação do DF, o governo institucionalizou o desinvestimento na saúde pública, através de Lei Orçamentária Anual (LOA) para o exercício de 2024 – nº 7377/ 2023 -. Em Lei, o GDF zerou o investimento para a Atenção Primária em Saúde (APS), responsável por acolher e ordenar as demandas de assistência das regiões de saúde do DF, e por realizar as ações de vigilância, prevenção e promoção de saúde.
40% dos territórios do DF não possuem Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Equipes de Saúde da Família de referência para atendimento. Portanto, não direcionar investimentos para a APS significa menos ações de vigilância, de imunização, de assistência e de prevenção, principalmente nas áreas mais vulneráveis. Este vazio assistencial nas regiões de saúde da cidade, pois, é fator preponderante no desencadeamento das crises sanitárias no DF a exemplo da atual epidemia de dengue.
É esta mesma prática de restrição orçamentária que mantém o déficit de quase 6 mil técnicos de enfermagem, 5 mil médicos, 1 mil enfermeiros, 2 mil agentes comunitários de saúde e 1 mil agentes de vigilância ambiental nos serviços públicos de saúde. A verdade é que Ibaneis Rocha vem descumprindo a própria Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – nº 7313/ 23 – que garante nomeações de servidores para áreas prioritárias como saúde, educação, assistência social e segurança. Segundo dados do Infosaúde, Ibaneis foi o governador que menos nomeou servidores da saúde nos últimos 25 anos.
Não surpreende, por isso, o fato de Ibaneis ter comemorado a redução do gasto com servidores para 34% da Receita Corrente Líquida (RCL), como publicado em Relatório de Gestão Fiscal no dia 30 de janeiro em Diário Oficial. Este percentual está muito abaixo dos 49% preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e aponta para uma política deliberada de restrição orçamentária, com poucos concursos públicos e poucas nomeações de servidores.
A taxa de investimento praticada pelo governo dentro do percentual mínimo estabelecido por LEI é incompatível com uma saúde pública de qualidade. Se não há investimentos para a infraestrutura das unidades básicas e hospitalares que estão sob responsabilidade da gestão direta da Secretaria de Estado de Saúde (SES), o mais provável é que haja transferência de recursos para a gestão terceirizada, como aconteceu com a aprovação da destinação de R$ 1 bilhão para o Instituto de Gestão Estratégica (IGESDF) em 2024, através de LOA.
A condução errática que Ibaneis oferece à saúde, portanto, é consciente, deliberada e orientada para a ampliação da terceirização dos serviços, como fez com o Hospital Cidade do Sol em Ceilândia, no início de 2024, e mais recentemente com a tentativa de entrega do Instituto de Cardiologia e Transplante (ICTDF) para o IGESDF. Aliás, essa manobra do GDF revelou a trama de interesses escusos entre os empresários da saúde e o governo. A verdade é que Ibaneis quer entregar toda a infraestrutura da cidade para o setor privado, colocando o orçamento do DF – dentre eles o da saúde – na mão dos empresários.
A saúde pública do DF não pode ser um balcão de negócios. O que a saúde precisa é de mais investimentos para superar a atual crise. Só assim é possível frear o processo de terceirização da saúde, nomear mais servidores, melhorar sua infraestrutura, construir novas unidades, acabar com a fragmentação da rede assistencial, organizar o sistema de referência e contrarreferência, e controlar a eficiência da gestão com estratégias perenes de solução dos problemas de saúde da população.