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Mitos e verdades sobre a inserção do DIU por Enfermeiros no SUS

Publicada em 8 de novembro de 2023

 

 

Por Jorge Henrique, presidente do SindEnfermeiro-DF

A prática de inserção do Dispositivo Intrauterino (DIU) por Enfermeiros e Enfermeiras é um assunto que, há anos, levanta debates acalorados no âmbito da assistência em saúde. Questões como regulamentação, competência e capacidade técnica, assim como acesso e desenvolvimento de políticas públicas de saúde são suscitadas por aqueles que concordam ou discordam desta prática realizada no âmbito da Atenção Primária em Saúde (APS).

Existe um mantra entre profissionais de Enfermagem, o qual afirma que a prática de inserção de DIU aumenta o rol de procedimentos a serem realizados por Enfermeiros, sobrecarregando ainda mais o profissional que atua nas unidades básicas de saúde. É importante, mediante a reprodução deste senso comum, desfazer esse mito, pois não existe evidência científica e atrapalha o entendimento de acadêmicos e de profissionais sobre o processo de valorização e reconhecimento social da Enfermagem através da realização de práticas avançadas.

É importante destacar que as profissões constituem um sistema independente de práticas e conhecimentos entre elas, em que cada uma constrói sua atividade sobre um tipo de jurisdição.  Os limites jurisdicionais estão em permanentemente rearranjo e são influenciados sobremaneira pelo entrelaçamento de elementos políticos, econômicos e sociais, responsáveis pelo ordenamento estrutural dos sistemas de saúde.

Em tese, são os modelos técnico-assistenciais de saúde que possibilitam a criação de um campo dinâmico de técnicas assistenciais, jurídicas e administrativas. Portanto, não existe um código fixo e imutável de normas, práticas e conhecimento de uma determinada profissão sobre a realidade. Esta estrutura depende da relação trabalho-saúde e de como uma categoria reivindica à sociedade o reconhecimento de sua estrutura cognitiva e de direitos sobre um determinado campo de atuação. Com efeito, a jurisdição de uma profissão se materializa com a condição indispensável de sua prática para o sistema de saúde.

No caso da Enfermagem, há três décadas o Sistema Único de Saúde vem proporcionando o desenvolvimento de ações pautadas na colaboração multi e transdisciplinar, que permite a adoção de estratégias para atender as reais necessidades da população, assim como novos processos agenciadores, novas relações, novas alianças e experiências que impactam as políticas públicas de saúde.

Da mesma forma, os avanços tecnológicos, as mudanças no perfil epidemiológico, os novos determinantes do processo saúde-doença, o envelhecimento da população e as doenças emergentes possibilitam que as práticas avançadas da Enfermagem democratizem o acesso da população à assistência em saúde e tornem os serviços mais resolutivos. Portanto, são estas novas interações e determinações da realidade que permitem o desenvolvimento de práticas inovadoras.

Não são as práticas avançadas e muito menos as novas tecnologias que aumentam a sobrecarga de trabalho dos profissionais da Saúde. São as novas formas de gerenciamento do trabalho, caracterizadas pela austeridade fiscal, desinvestimento em políticas públicas de saúde, terceirizações, supressão de direitos trabalhistas, uberização do trabalho que têm elevado o grau de adoecimento de profissionais da Enfermagem.

A inserção do DIU por Enfermeiros e Enfermeiras, ao contrário do que muitos afirmam, promove mais benefícios para os processos de trabalho e para a organização dos serviços da APS do que o aumento da sobrecarga de trabalho e adoecimento dos profissionais. Esta prática reduz a pressão no sistema de saúde de demandas relacionadas à gestação, permitindo que a organização dos serviços de saúde esteja orientada para o alcance de outros indicadores.

Estudos apontam que a inserção do DIU por Enfermeiras no SUS Garante, em caráter permanente, que um direito sexual e reprodutivo seja efetivado como política pública de saúde; amplia o acesso de mulheres vulneráveis a um método contraceptivo de longa duração; reduz as complicações no pré-natal; reduz a  mortalidade materna e infantil no perinatal; reduz o número de gravidez indesejáveis; e reduz o número de abortos e suas complicações.

Por fim, faz-se necessária uma reflexão, junto aos Enfermeiros e Enfermeiras, sobre o surgimento de novas tecnologias que, assim como a prescrição de medicamentos, podem ser inseridas nos protocolos de atividades desenvolvidas por estes profissionais.  São práticas que servem para desencadear processos produtivos na saúde, seja no âmbito da assistência, da vigilância, da gestão e das políticas públicas em saúde. A Enfermagem, pela importante localização no sistema de saúde, tem capacidade de construir ferramentas que podem democratizar o acesso da população à saúde.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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