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Nota conjunta dos Sindicatos da Saúde sobre a situação da Assistência Primária no Distrito Federal

Publicada em 9 de dezembro de 2019

As entidades representativas dos trabalhadores da saúde do DF vêm demonstrar sua preocupação quanto à realidade vivenciada hoje pela Assistência Primária de Saúde (APS), principalmente no que diz respeito à situação enfrentada pela população que peregrina em busca de atendimento na rede.

É preciso destacar que todas as entidades apoiam ações que visam garantir acesso a quem mais precisa, assim como não há discordância em relação à Estratégia de Saúde da Família (ESF) ser o melhor modelo para nortear a APS. No entanto, a forma com que a iniciativa vem sendo planejada e executada tem demonstrado distanciamento do seu principal objetivo: prevenir e promover a saúde com garantia de acesso ao usuário.

Infelizmente, o Distrito Federal está muito atrasado no processo de conversão do modelo tradicional para ESF, apresentando índices vergonhosos de cobertura. Esse processo teve início em 2017 no CONVERTE/APS, com a publicação das portarias 77 e 78/2019 da SES/DF, que já traziam inconsistências, comprometendo o êxito do programa desde seu nascedouro.

Assim, pontos como o aproveitamento dos profissionais da atenção primária, treinamento para atendimento integral às famílias, cadastramento, déficit de pessoal – principalmente Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e médicos de família e comunidade – bem como o estabelecimento de fluxos nas regionais não foram resolvidos. Além disso, a portaria não trouxe no dimensionamento das equipes o Índice de Segurança Técnico (IST), nem o cálculo de pessoal para serviços complementares e de apoio, como: salas de vacina, curativos e procedimentos, farmácia, administrativo, arquivo, regulação, sala de situação, entre outros.

A oferta de formação aos médicos que participaram do CONVERTE/APS foi insuficiente, e não dá a esses profissionais a segurança necessária para assumir parte dos procedimentos fora de sua esfera de especialização. Tampouco se estabeleceu um programa de formação continuada para suprir essa deficiência, e a proposta de “matriciamento” tem sido deturpada, perpetuando a situação.

Hoje a realidade encontrada na maioria das unidades básicas de saúde (UBSs) é um contingente de territorialização muito maior que o preconizado pelo programa, equipes incompletas desde o início do CONVERTE/APS, faltando principalmente ACSs, que são fundamentais não apenas para o cadastro e territorialização, mas também para acompanhamento das famílias.

Com equipes inconsistidas e servidores sem perfil de atendimento no modelo integral, encontramos trabalhadores adoecidos e uma população peregrinando principalmente atrás de atendimento de urgência.

A falta de retaguarda e de fluxos de referência e contrarreferência resultam no caos dos hospitais regionais, que estão constantemente em bandeira vermelha. A atuação inconstante e diferenciada das UPAs, assim como o grande vazio assistencial e a baixa cobertura da APS fazem com que os servidores das Equipes de Saúde da Família estejam atolados em atendimentos de emergência. Essa realidade é muito distante do principal objetivo da APS, que é a prevenção e promoção à saúde e o atendimento integral em programas como imunização, pré-natal, crescimento, desenvolvimento, Hiperdia e outros, que acabaram por se tornar secundários, desvirtuando completamente a essência do nível primário de assistência.

Médicos, enfermeiros e técnicos ainda enfrentam a barreira da falta de integração de sistemas desde o prontuário eletrônico até os de regulação, o que torna os atendimentos ainda mais lentos, e cria barreiras para o fluxo do paciente entre os níveis de atenção à saúde.

Essa enxurrada de notas técnicas contribui para o retardamento dos fluxos, prejudicando o atendimento e agravando a situação dos pacientes – pois são feitas por especialidades médicas de nível secundário, sem a prévia concordância e avaliação técnica dos médicos de família e da comunidade, e sem prazo hábil para o prévio conhecimento por parte dos profissionais da ponta.

As notas técnicas 01/2019 e 02/2019 SES/SAIS/COAPS surgem nesse contexto caótico e não consolidado de conversão do modelo, e com diversas inconstâncias já sinalizadas por todos os trabalhadores. Essas notas técnicas estabelecem as diretrizes necessárias para o funcionamento das salas de acolhimento e a ampliação do horário de funcionamento das UBSs até as 22h.

A nota técnica afirma que a sala de acolhimento deverá funcionar durante todo o horário de atendimento da UBS, que é 65 horas semanais com a presença de um (1) enfermeiro e um (1) técnico de enfermagem extra equipe. Entretanto, como é possível ter equipes extras sem servidores? Também é evidente que a jornada de 40 horas semanais de enfermagem é incapaz de cobrir todo o horário de funcionamento da sala de acolhimento, além de negligenciar mais uma vez o índice de segurança técnico para absenteísmo e afastamentos legais.

Isso também tem gerado mais sobrecarga para os enfermeiros das equipes, causando cancelamento de agendas e atividades previamente definidas, tornando as salas de acolhimento, na prática, um refúgio para a população no vazio assistencial dos territórios e, por vezes, das equipes inconsistidas desde sua formação ou por absenteísmo. Isso faz com que as salas se transformem em mini-UPAs sem estrutura nem retaguarda necessárias para prestar atendimentos mais graves. O que vemos e ouvimos diariamente são hospitais e UPAs de portas fechadas para pacientes classificados como amarelos, e sendo encaminhados para as UBSs.

O questionamento é: quais medidas reais estão sendo tomadas para que os pacientes encaminhados pelas salas de acolhimento das unidades possam de fato ser atendidos?

Da mesma maneira, a Nota Técnica nº 01/2019 – que estendeu o horário de funcionamento até as 22h, passa também pelas mesmas dificuldades. Ou seja, sem aumentar dimensionamento e sem estruturar serviços de apoio necessários, como farmácia, medicação, curativo, regulação e imunização. Sendo assim, qual será a real efetividade do atendimento? Serão apenas números que trazem a falsa ideia de acesso com objetivos midiáticos? Ou para cumprimento de metas objetivando os repasses ministeriais a todo custo?

Além disso, as UBSs se encontram com estruturas precárias, falta de salas, equipamentos, insumos, recursos humanos destinados ao serviço de limpeza, assim como a falta de segurança para os servidores e usuários em algumas regiões, deixando os profissionais sem condições mínimas para realização do serviço. Apesar de muitas UBSs do tipo II não terem condições para aderir ao projeto sala de acolhimento ou ampliar o atendimento até as 22h pelos motivos acima citados, a SES determinou o prosseguimento da implantação do projeto nessas unidades.

Temos consciência de que os servidores podem ser protagonistas na implementação de ações que realmente trarão impacto no acesso e na eficiência do atendimento à população. Por isso, lutamos há anos para que tenhamos voz, e que a gestão veja os trabalhadores como parceiros para “pensar e incentivar” soluções, pois são eles que vivem o dia-dia da assistência, além de possuírem o respaldo técnico para apontar propostas que sejam viáveis.

Reiteramos nosso posicionamento favorável de levar acesso a quem mais precisa. No entanto, é impossível aceitar as imposições da Secretaria de Saúde para que todas as UBSs Tipo II realizem a adesão aos projetos, quando grande parte das unidades não reúne as condições adequadas.

Para o êxito da Estratégia de Saúde da Família e Equipes de Saúde Bucal, entendemos que é necessário:

  – Revisar as Portarias 77 e 78/2019;

  – Nomear novos profissionais e aumentar a previsão da carga horária de profissionais para as salas de acolhimento e para terceiro turno;

  – Buscar cobertura de 100% de ESF/ESB entre as populações mais vulneráveis do DF

  – Garantir retaguarda e referência para especialidades;

  – Estabelecer fluxo seguro de referência e contrarreferência de pacientes;

  – Garantir assistência nos vazios assistenciais, tanto em centros tradicionais transitórios como nas policlínicas;

  – Assegurar cadastramento dos territórios pelos ACSs, bem como presença constante deles no acompanhamento das famílias;

  – Incentivar e selecionar enfermeiros e técnicos de enfermagem com perfil para atuar nas salas de acolhimento, assim como promover treinamento inicial nos protocolos de atendimento;

  – Incentivar e selecionar profissionais com perfil assistencial, comprometido com o modelo de ESF/ESB, além de capacitação periódica aos profissionais da APS;

  – Ampliar e melhorar as condições de infraestrutura das unidades (estrutura física, sistema e acesso à internet, insumos e exames)

  – Garantir a presença de mais vigilantes para dar segurança aos servidores e usuários, bem como ao patrimônio público, e;

  – Garantir orçamento para execução das propostas no orçamento anual tanto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) como na Lei Orçamentária Anual (LOA), visto que não identificamos nenhuma rubrica até o momento para a efetivação das ações listadas, principalmente no que diz respeito a concurso público.

Por fim, reiteramos junto à população do DF o nosso compromisso com o bem mais precioso do ser humano, que é o direito à vida e a saúde. Os profissionais de saúde vêm fazendo o melhor em meio ao caos, enquanto carecem de boas condições de trabalho e atuam com grande déficit de pessoal, fator que também leva à sobrecarga dos servidores.

Infelizmente, nós também somos vítimas da situação calamitosa na saúde que tanto afeta a população. Hoje, temos o maior índice de adoecimento de trabalhadores, sem acesso a um programa de saúde do trabalhador, e com estatísticas preocupantes de suicídio entre nossos colegas. Por isso, esta nota é um desabafo à sociedade e principalmente, um pedido de socorro à gestão do Distrito Federal, para que nos ajude a ajudar quem mais precisa!