Por Jorge Henrique, secretário-geral do SindEnfermeiro-DF
O aumento no número de agressões sofridas por profissionais da rede pública de saúde no Distrito Federal é alarmante. Os telejornais e noticiários têm veiculado, quase que diariamente, relatos de violência nas unidades de saúde – sendo o último caso a agressão a um Técnico de Enfermagem, que teve seu braço fraturado durante plantão na classificação de risco do Hospital Regional de Planaltina (HRPL) no último final de semana.
Em situações de aumento expressivo de violência contra profissionais da saúde é preciso se distanciar, a princípio, do lugar comum da concepção gerencialista dos sistemas e serviços de saúde que, amiúde, determina a adoção de programas e ações que contemplem a educação, treinamento e intervenções na gestão da violência no próprio local de trabalho. A banalização da violência não pode ser encarada como um evento adverso rotineiro, assim como acidentes de trabalho, principalmente entre profissionais da enfermagem, não podem ser tratados como “ato inseguro” passíveis de remendos ou ajustes a nível local.
O aumento exponencial da violência contra agentes públicos deve ser avaliado no contexto da organização dos serviços de saúde. É preciso considerar, portanto, os modelos de gestão, a configuração da rede assistencial, a orientação das práticas de saúde, a oferta e a organização da força de trabalho, assim como o investimento público na Saúde.
Com base nessas características, é perceptível o processo de desorganização na rede assistencial da Secretaria de Saúde do DF. Nos últimos quatro anos, as tentativas de desestruturação das unidades de saúde sob gestão direta da SES foram sistemáticas, a começar pela terceirização da gestão do Hospital de Base no ano de 2018, pelo então governador Rodrigo Rollemberg. No início de 2019, contrariando suas promessas eleitorais, Ibaneis ampliou a terceirização e criou o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (IGESDF), que passou a gerir também o Hospital Regional de Santa Maria e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
A terceirização das unidades de saúde impôs a fragmentação da rede assistencial, com a criação de uma gestão que passou a funcionar através da lógica do direito privado, com base em contratos aditivos de serviços com a SES, ampliação indiscriminada com prestadores de serviços privados e restrição de atendimento a pacientes atendidos pela gestão direta da pasta, desconsiderando, assim, as necessidades básicas de saúde da população do DF.
Como instrumento político a serviço do governo, a gestão terceirizada aumentou gastos com diretores do alto escalão do IGESDF, abusa das indicações políticas para os cargos de direção das unidades e se compromete com denúncias de favorecimento de prestadores de serviços. Hoje, a SES já repassa mais de 30% do valor de seu orçamento para a gestão do IGESDF, além das dezenas de contratos aditivos que custam milhões para o governo.
Na gestão, foi notória a desarticulação do Hospital de Base, a exemplo da extinção da neurocardiologia, considerado um setor de excelência do hospital. A redução dos serviços especializados do hospital também impactou o atendimento dos pacientes nas UPAs, que passaram a internar pacientes graves – responsabilidade essa que é dos hospitais de alta complexidade. Por conta dessa situação, houve a interrupção do fluxo de referência e contrarreferência da rede, comprometendo o atendimento a urgências e emergências nas portas destas unidades.
As Unidades Básicas de Saúde (UBS), sob gestão direta da SES, têm recebido, como consequência da terceirização, a maior parte das demandas de saúde da população, incluindo as urgências e emergências. A APS tem funcionado sob a lógica do atendimento de demanda espontânea e está sufocada pela demanda restrita de uma população que não tem a sua disposição o atendimento efetivo das Equipes de Saúde da Família, seja por falta de profissionais, seja pela quantidade de pessoas que procuram as unidades. Além disso, são dezenas de territórios que não tem a cobertura de ESF e que, consequentemente, sobrecarregam as equipes de outras regiões.
Esse modelo de assistência fragmentado tem como consequências o comprometimento da assistência à população, que enfrenta demora no atendimento nas unidades de saúde, longas filas para realização de exames, procedimentos e cirurgias, e a sobrecarga de trabalho aos profissionais da saúde, que passam a conviver com o sofrimento físico e psíquico decorrente da escassez de insumos, de medicamentos, de pessoal e das péssimas condições de trabalho. Por isso, a agressão a profissionais da saúde é apenas mais um elemento da violência institucional praticada contra os trabalhadores.
Diante de toda essa situação, é urgente que o governo acabe com o modelo de gestão terceirizada (IGESDF), que não trouxe nenhum benefício para a população do DF, e apresente um planejamento estratégico que fortaleça a APS, amplie as ESF nos territórios, integre a rede de saúde nos três níveis assistenciais, organize a força de trabalho e proporcione atendimento integral às demandas da população. Só assim é possível discutir programas e ações de prevenção e controle da violência contra os profissionais de saúde.